Após três anos de casamento,
numa noite bonita, em que o rio era um calmo dorso de prata à luz do
luar e os bichos noturnos cantavam fundas tristezas e medos, Maluá
encostou a cabeça no peito de Tainá-racan e apertou-a com ternura. No
olhar de ambos, há muito, havia uma sombra. Nenhum deles tinha a coragem
de falar. Uma palavra de mágoa, temiam, poderia quebrar o encanto de
seu amor. A beleza da noite estremecia o coração sensível de
Tainá-racan. Ela ajuntou a alma dos lábios e perguntou com voz trêmula,
em sussurro:
-Estás triste, amado meu? Nem é preciso que respondas. Há tempo vejo uma sombra nos teus olhos.
-Sim, respondeu o valente guerreiro. Tu sabes que eu estou triste e tu também estás. A dor é a mesma.
-Onde está nosso filho que Cananxiué não quer mandar?
-Sim, onde está nosso filho?...
Maluá alisou com carinho o
ventre da formosa esposa. "E o nosso filho não vem", murmurou. Dois
pequeninos rios de lágrimas deslizaram pelas faces coradas de
Tainá-racan. Um vento forte perpassou pela floresta. Uma nuvem escura
cobriu a lua, que não mais tornava de prata as águas mansas do rio.
Trovões reboaram ao longe. Maluá envolveu Tainá-racan nos braços e
amou-a. "Nosso filho virá, sim. Cananxiué no-lo mandará".
Quando os ipês voltaram a
florir, no ano seguinte, numa madrugada alegre, nasceu Uadi, o
Arco-Íris. Era lindo, gordinho, tinha os olhos cor de noite estrelada
como os da mãe e era forte como o pai. Mas, havia nele algo diferente,
algo que espantou o pai, a mãe, a tribo inteira: Uadi tinha os cabelos
dourados como as flores do ipê. Maluá recebeu o nascimento do filho como
um presente de Cananxiué. Seu coração, contudo, estremeceu com a
singularidade dele. Começou a espalhar pelo tribo a lenda de que o
menino era filho de Cananxiué. O menino crescia cheio de encanto,
alegria e de uma inteligência incomum. Fascinava a mãe, o pai, a aldeia,
a tribo toda. Com rapidez incrível aprendeu o nome das coisas e dos
bichos. Sabia cantar as baladas tristes e alegres que a mãe ensinava.
Era a alegria e a festa da mãe, do pai, da tribo.
Um dia, Maluá, com outros
guerreiros, foi chamado para a luta. Os olhos pretos de Tainá-racan
encheram-se de lágrimas. O rostinho vivo de Uadi se ensombreceu. À
despedida, seus bracinhos agarram-se ao pescoço do pai e ele falou:
"Papai, vou-me embora para a noite, depois, chegarei à casa de
Tainá-racan, a mãe, lá no céu". E seu dedinho róseo apontou o horizonte.
O corpo de bronze do guerreiro se estremeceu. Seus lábios moveram-se,
mas as palavras teimavam em não sair. Ele apertou, com força, o menino
nos braços e, por fim, falou: "Que é isso, filhinho, tu não vais para
lugar nenhum, nenhum deus te arrancará de mim. A tua casa é a casa de
tua mãe, Tainá-racan, aqui na terra, e a de seu pai. Se for preciso, não
partirei para a guerra. Ficarei contigo".
Nesse momento, Cananxuié, o
senhor de todas as matas, de todos os animais, de todos os montes, de
todos os valores, de todas as águas e de todas as flores, desceu do céu
sob a forma de Andrerura, a arara vermelha, e gritou um grito forte:
"Vim buscar meu filho!" Agarrou-o e levou-o pelos ares. Tainá-racan e
Maluá caíram de joelhos. O guerreiro abriu os braços gritando: "O filho é
nosso, sua casa é a de sua mãe, Tainá-racan, aqui na terra! Devolve
meu filho, a Cananxiué! O grito de Maluá ecoou pela mata, ferindo de dor
o silêncio. O peito do guerreiro palpitava de sofrimento como uma
montanha ferida pelo terremoto. O velho chefe guerreiro aproximou-se
dele, bateu-lhe no ombro e bradou: "Teus companheiros já partem. Maior
que tua dor é tua honra de guerreiro e a glória de nossa tribo! Vai, meu
filho, Cananxiué buscou o que é dele. Muitos outros filhos ele te dará.
Tainá-racan é jovem. Tu és jovem. Vai, guerreiro, não deixa a dor matar
sua coragem!"
Maluá partiu. Tainá-racan
encostou a fronte na terra, onde pouco antes pisavam os pezinhos
encantados de Uadi. Chorou. Chorou. Chorou três dias e três noites.
Então, Cananxiué se apiedou dela. Baixou à terra e disse: "Das tuas
lágrimas nascerá uma planta que se transformará numa árvore copada. Ela
dará flores cheirosas que os veados, as capivaras e os lobos virão comer
nas noites de luar. Depois, nascerão frutos. Dentro da casca verde, os
frutos serão dourados como os cabelos de Uadi. Mas a semente será cheia
de espinhos, como os espinhos da dor de teu coração de mãe. Seu aroma
será tão tentador e inesquecível que aquele que provar do fruto e
gostar, amá-lo-á para jamais o esquecer. Como também amará a terra que o
produziu. Todos os anos, encherei, generosamente, sua copa de frutos,
que os galhos se curvarão com a fartura. Ele se espalhará pelos campos,
irá para a mesa dos pobres e dos ricos Quem estiver longe e não puder
comê-lo sentirá uma saudade doida de seu aroma. Nenhum sabor o
substituirá. Ele há de dourar todos os alimentos com que se misturar e,
na mesa em que estiver, seu odor predominará sobre todos. Ele há de
dourar também os licores, para a alegria da alma".
Tainá-racan ergue o olhar, aquele olhar onde brilhou a primeira estrela da consolação. E perguntou ao deus:
-Como se chamará, Cananxiué, esse
fruto, cujo coração são os espinhos de minha dor, cuja cor são os
cabelos de ouro de Uadi e cujo aroma é inesquecível como o cheiro dessa
mata, onde brinquei com meu filhinho?
-Chamar-se-á Tamauó, pequi, minha
filha. Quero ver-te alegre de novo, pois te darei muitos filhos, fortes e
sadios como Maluá. E teu marido voltará cheio de glória da batalha,
pois muitos séculos se passarão até que nasça um guerreiro tão destemido
e tão honrado! Ele comerá deste fruto e gostará dele por toda a vida!"
Tainá-racan sorriu. E o pequizeiro começou a brotar.